Quando recebi um áudio falando sobre a solidão de um perrengue, tive um clique sobre um livro que li anos atrás e que a princípio nem gostei tanto assim, chamado A Arte de Pedir, da Amanda Palmer.
Nele, a autora conta como foi importante pra ela ter aprendido a se abrir, experimentar, aceitar o auxílio e incentivo de outras pessoas e o quanto isso influenciou e possibilitou a carreira artística dela. Lembrei de um capítulo em que ela conta de quando trabalhou como estátua viva, vestida de noiva e entregando flores pra complementar a renda que tinha como barista. O que nos primeiros minutos pareceu uma grande humilhação, foi ficando mais tranquilo à medida que os curiosos foram se aproximando, conectando e depositando seus centavos, e no final das contas, mesmo com todos os desafios, a noiva pagou o aluguel e fez com que Amanda pudesse seguir escrevendo suas músicas por cerca de cinco anos.
Um recorte de outra parte:
Se a cirurgiã, ao abrir aquele cérebro vulnerável, se depara com um caroço inesperado e precisa pedir algo essencial à pessoa ao seu lado — e rápido —, não pode desperdiçar nem um segundo com perguntas como: ‘Eu mereço pedir essa ajuda?’ ‘Essa pessoa a quem estou pedindo é realmente confiável?’ ‘Sou uma babaca por ter o poder de pedir neste momento?’ Ela simplesmente aceita sua posição, pede sem vergonha, pega o bisturi certo e continua a incisão. Algo maior está em jogo. Isso se aplica a bombeiros, pilotos e salva-vidas, mas também a artistas, cientistas, professores — a todos, em qualquer relação. Quem consegue pedir sem sentir vergonha se enxerga como alguém que colabora — e não que compete — com o mundo.
Pedir ajuda sentindo vergonha significa: Você tem poder sobre mim.
Pedir ajuda com condescendência significa: Tenho poder sobre você.
Mas pedir ajuda com gratidão significa: Temos o poder de nos ajudar mutuamente.
Na troca que tive com uma amiga, falamos um pouco sobre a fantasia de que é possível resolver tudo sozinho e de como ao longo do tempo, essa tentativa de bravura incondicional atrapalha a expressão direta de necessidades. É visível que frequentemente isso é feito de um jeito sorrateiro, com leves pistas, transformação de carências em memes, pequenos comentários aqui e ali, sinais confusos e esperançosos de que alguém capte e enfim, ofereça, sutilmente, algo minimamente aceitável. Mais fácil entrar em um dilema moral sobre estar atrapalhando a vida do outro do que evitar que o pepino se transforme em uma grande salada indigesta.
Pedir abertamente por alguma coisa demonstra vulnerabilidade, indica a temida falta, marca a fronteira da autossuficiência.
Em várias ocasiões, também vivencio esse embaraço. Anseio que o outro adivinhe mesmo, que vá tirando de mim um gentil “não precisa, obrigada” até que chegue a oferta irrecusável ou a incoerente frustração por não ser acudida.
Embora já tenha visto pessoas adoecerem no silêncio, brigas surgindo dos não ditos e o encadeamento de rupturas evitáveis, já vi também, do lado de quem está em posição de socorrer, a sensação de insuficiência e até mesmo a inexperiência ou o medo de oferecer, porque não há um recurso só, porque a aflição de alguém às vezes tem uma borda fina demais e forma o receio da intromissão.
Considerando os tantos cenários, é muito redutivo dizer que se trata exclusivamente de apenas dois lados, de não se sentir à vontade com a demanda (ah, neurose…) ou de uma força forçada. Acho que muito se relaciona com o que foi naturalizado e até romantizado para cada pessoa. Talvez alguns se desenvolvam em ambientes que estimulam a independência, ou que tornam as fraquezas um segredo, enquanto outros, de outras referências, são incentivados à partilha dos obstáculos, ao reconhecimento do próprio ponto cego. Educados para pedir, calar, oferecer, respeitar. Como foi?
Além de que é na contingência e no caos que nos encontramos, nada se conclui, afinal.
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Maravilhosa essa edição.
Obrigada por este texto!
Obrigada por escrever!
Adorei a reflexão do texto, Carolina! E muito obrigada pela menção nos links ❤️