Com o ressurgimento recente do debate antigo sobre sua cientificidade (a quem será que interessa, né?) e da ânsia que surge em alguns seres de tempos em tempos de falar qualquer groselha sobre a psicanálise e assim causar um furor massificado que às vezes mais parece uma grande declaração de amor, tornei a questionar e lembrar do que a invenção freudiana já trouxe para o meu posicionamento no mundo, e de tudo que, no bom sentido, tirou de mim. Não sou mais a que se encantou toda diante da atualidade de O Mal-estar na Civilização ou de Psicologia das Massas, e ao mesmo tempo, não deixo de admirar a riqueza do que Freud ofereceu e nem a originalidade das peripécias lacanianas que me fazem sair quase tropeçando de cada aula que vejo.
Enxergar a psicanálise como uma forma de dar alguma direção ou assentamento pra palavras e afetos que antes apareciam tão desordenados, padronizados, moralizados e medicalizados demais, dar nome e função aos prazeres e aos incômodos particulares, reconhecer a dureza e a maleabilidade dos próprios desejos, inventar maneiras de falar repetidamente sobre uma coisa até esgotar o que ela tinha de limitante, e aí encontrar algo que seja mais condizente com o que se quer, conseguindo olhar praquela narrativa de outra perspectiva, melhor, menos custosa ou arrastada, é legal demais.
Outro dia uma amiga me disse que não sou nada literal, e eu não tenho como deixar de relacionar esse comentário ao fato de que nem sempre me contento com o óbvio de tudo. Sabemos que às vezes uma dor de cabeça é de fato apenas uma dor de cabeça, que um gesto não significa nada demais, que uma mensagem ou a falta dela é realmente só aquilo ali, só que quantas vezes outros aspectos tão interessantes são rejeitados em nome da extrema objetividade ou de uma visão que considera apenas a figura opaca, sem fundo?
Cada um sabe do tanto de coisa que não se conforma do lado de dentro enquanto não vista, não dita, não manuseada. Coisinhas que surgem no mal-estar difuso, nas pequenas confusões cotidianas, nos problemas que vão passando batido, nos sonhos desvalorizados.
Não é um processo confortável, o de trazer à tona e montar um quebra-cabeça de - insira aqui todas as suas experiências desde o seu surgimento, kk - tantas peças, e nem sempre é necessário mesmo, mas presencio na escuta algo que diz que parece ainda mais incômodo nutrir tantas interrogações e desencaixes, sobretudo aqueles que, com o simples reconhecimento, se tornam tão fluidos.
No espaço entre analista e analisando, não há grandes barreiras para imaginação, fantasia, sonho. Não tem essa de “nada a ver uma coisa com a outra”, “isso é só coisa da sua cabeça”, “você se encaixa nessa lista” e muito menos direcionamentos prontos, receitas iguais, ajustes específicos. O que há ali, cabe ao sujeito falar pra que fora do consultório possa enfim fazer, algo que, a meu ver, faz da práxis uma das mais amorosas e surpreendentemente acolhedoras.
Quando dizem que a psicanálise não é para todos, concordo plenamente. É preciso se cansar, se incomodar, sentir ou agir antes de saber, não ter pressa, mas sim disposição, começar a fazer as pazes com o fato de que tentar nem sempre virá acompanhado do conseguir, mas às vezes vai, soltar um pouco a regra neurótica do “e se…”, e saltar, sabendo que do chão não passa e que do inconsciente, após aberto, dificilmente se escapa. (●'◡'●)
E já que estamos aqui…
Nunca fui muito fã do conceito de autopromoção, e em redes sociais então, aff, só que este é um ponto que ando revendo de alguma forma, até porque como pessoa que acredita em outros modelos de trabalho, seria contraditório não os sustentar.
Em vários momentos fingi não escutar quando uma antiga analista vinha com o clichê “quem não é visto, não é lembrado”. Precisei conversar muito com pessoas que sabem vender seus peixinhos de um jeito sustentável, humano, divertido e até fazer um workshop (maravilhoso, diga-se de passagem, já tinha falado sobre ele aqui) pra ver se conseguia olhar pro assunto de um jeito diferente.
Foi através de efeitos controversos e limitantes que me dei conta de que, por vários anos, compartilhei meu trabalho só através de sussurros. À sombra de muitas inseguranças, receios, e até um pouco de arrogância, aparições esporádicas aqui e ali, quase lamentando o assunto surgir de vez em quando. “Ela é psicanalista, mas não espalha, shhhh…”
Mentira, podem espalhar, sim, porque agora tem até site pra isso, e não satisfeita, fiz até cartões de visita - disponíveis nos lugares mais aleatórios do RJ, hahahah
Em um final de semana extremamente chuvoso, que me mostrou como é esquisita esta cidade passando por dias de um clima que nem combina com ela, optei por um teste de resistência comigo mesma e assisti alguns filmes que deixam a respiração esquisita, rs:
Melancolia, que eu já tinha visto outras vezes e que sempre bate diferente porque vai depender do grau de identificação momentânea com a Justine, com a Claire, ou com o planeta que vai colidir com a Terra, enfim.
Os Suspeitos, que é um excelente indutor de curiosidade e revolta (tem quem goste de se sentir revoltado, hein), mas também de admiração por atuações muito boas e cenas memoráveis.
E Incêndios, que eu só consigo classificar como um filme daqueles que mudam nossa relação com o cinema de alguma forma. Você vai assistindo, prestando atenção numa trama que nem parece tão complexa assim, e quando percebe, já tá lá fazendo “não” com a cabeça, colocando a mão na testa e em seguida olhando pro horizonte, em choque, entendendo de uma vez tudo que você já tinha entendido antes, mas por algum motivo, parecia que não.
Já com o sol de volta e um calor que gerou três idas a sorveterias diferentes em um mesmo dia, terminei um livro que se tornou um grande querido: Notes on Hearbtreak. A Annie é colunista da Vogue UK e fala sobre relacionamentos de um jeito muito tangível, expondo coisas que facilmente já passamos ou presenciamos direta ou indiretamente. Nesse livro, ela vai falar de um término e de toda montanha-russa até sua “conclusão”, e o que de início parece triste e desesperançoso, na verdade vai se tornando um grande manifesto super favorável às apostas no amor.
Por hoje é só! Leiam, compartilhem e assinem newsletters, gostoso demais! 🌻
que gostoso ler isso! minha analista tá de férias e deu até saudade. você escreve muito bem. inscrita :)
gostei demais do seu texto <3