Quando me propus a começar a newsletter, a ideia era de que os textos fossem semanais, publicados sempre aos domingos pela manhã. Queria que estivessem entre um começo e um fim para outro começo. Como ainda não consegui, para o retorno, fiz questão de que fosse como inicialmente planejado, mas também aproveitei porque a Susan Miller disse que seria um dia favorável pros piscianjos - sou dessas.
Já quero aproveitar e agradecer todo mundo que chegou até aqui e foi gentil o suficiente pra se inscrever, mesmo com a ausência de conteúdo recente. E um obrigada especial à , autora da querida , de onde boa parte de vocês me descobre! :)
Outro dia, conversava com meu analista sobre a sensação de estar enxergando novas formas de atravessar e redimensionar questões que, até então, levava para a análise com pesar e confusão. Antes de ampliar meu olhar — talvez até de maneira um pouco forçada — parecia que eu as via através de uma única janela, que as tornava restritas e inflexíveis.
Na mesma sessão, compartilhei a alegria pela chegada de Intermezzo, o novo livro da Sally Rooney, uma autora que sempre encontro em momentos muito pertinentes. Seus três livros anteriores, coincidentemente, foram companhias inspiradoras e instigantes em fases marcadas por reviravoltas e descobertas semelhantes às das histórias. No novo, ainda não achei um paralelo exato com as minhas experiências atuais, mas talvez...
Intermezzo, ou interlúdio, em música, é uma pequena composição entre os atos de uma ópera; aquilo que preenche o intervalo entre os pontos principais. Já no xadrez — que é ao que o livro faz referência — é o lance intermediário, um movimento inesperado e decisivo do adversário, que exige uma resposta imediata e que vai testar o conhecimento do jogador.
Nesta matéria, Sally fala sobre os livros que leu durante a escrita de seu último romance, e entre eles está Investigações Filosóficas, de Wittgenstein, um pensador que muito me chamou a atenção durante a graduação, especialmente por suas ideias sobre a filosofia da linguagem — que criticam e também dialogam com a psicanálise.
“Suponha que você considere um sonho como uma forma de linguagem. Um modo de dizer algo, ou de simbolizar algo. Deve haver um simbolismo regular, não necessariamente alfabético — como o chinês, por exemplo. Podemos, então, encontrar uma maneira de traduzir esse simbolismo para a linguagem comum ou para pensamentos comuns. Mas a tradução deve ser possível em ambos os sentidos. Devemos ser capazes de, usando a mesma técnica, traduzir pensamentos comuns para a linguagem dos sonhos. Como Freud reconhece, isso jamais é feito e não pode ser feito. Assim, podemos questionar se sonhar é, de fato, uma maneira de pensar, se é uma linguagem no final das contas.”¹
Estou revendo Twin Peaks, minha série favorita da vida, pela terceira vez. O reencontro com o apaixonante Dale Cooper e seus métodos nem sempre convencionais de investigação — em que ele permite que a intuição conduza os momentos mais críticos — me lembra que mesmo uma resposta aparentemente óbvia e que conecta dois momentos com facilidade, passa por desvios antes de sua revelação. O "entre" é tão importante quanto os extremos. Os acontecimentos de Twin Peaks misturam humor e seriedade, deixando o espectador à mercê do próprio discernimento e atenção. Posso rir disso? Calma, parece sério, mas não muito. Ops, era!
Até que os episódios mais esclarecedores cheguem, tudo é indício de problema e nada é. Cooper, guiado não apenas pelo rastro dos inimigos, considera seus sonhos e conexões íntimas, sem forçar que outras pessoas façam uso dos mesmos símbolos e sem atribuir o peso da certeza ao que acessa. Ele se move com curiosidade e confiança, ponderado, às vezes até pensando demais, mas muito focado e bem direcionado. Com seus insights e relatos à misteriosa Diane, o agente percorre um caminho que o leva, sobretudo, a observar com mais cuidado o que “não é o que parece”, característica que o coloca em constante encantamento e questionamento em relação ao que o cerca.
Na clínica, de vez em quando, a pressa envolve a narrativa da angústia e, internamente, o alcance de ideais e soluções torna-se uma corrida contra o tempo perdido, mas quando acontece algo diferente disso, é bonito constatar que alguns intervalos conectam com mais singularidade e precisão o que chega e o que sai. Parece que o raciocínio rápido, as decisões mais acertadas, vem justamente como resultado de uma espécie de demora produtiva e suave nas bordas da questão.
Ligando ao que mencionei no início, sobre a vontade de me livrar de algo, e logo depois, em associação livre, falando sobre a satisfação que sinto ao comprar livros, meu analista jogou com a palavra “livramento”. Entre uma coisa e outra — uma passagem, um intervalo e um movimento importantes —, estou me livrando. Através da linguagem e suas tantas possibilidades, me livro. A Sally e o Dale não chegaram até mim à toa.
¹ 1982: “Conversations on Freud”. In: Wollheim e Hopkins 1982,
pp. 1-11.
Wollheim, Richard e Hopkins, James 1982: Philosophical Essays on Freud.
Cambridge, Cambridge University Press.
Mais, ainda
O texto de hoje teve uma grande ajuda desse <3
Adorei a crítica da Isadora de A Substância (que filme…)
Quiz: Who Said It -- Ludwig Wittgenstein or the Log Lady from 'Twin Peaks'?
Um show pra deixar rolando em momentos diferentes - já meditei, faxinei, trabalhei…
Como vira e mexe alguém pergunta, estou com alguns horários para atendimento. Pode me chamar no @racolina ou responder a este e-mail ;)
Se você gosta do que vê aqui, pode demonstrar seu carinho curtindo, comentando e compartilhando.
Até a próxima!
Que bom ver seus textos por aqui de novo! Adorei! :)
Aah, Carolina! Fico bem contente que a newsletter esteja de volta e crescendo (e feliz demais de poder contribuir pra isso de alguma forma!). Adoro seus textos 🥰
E esse inclusive, pegou aqui na sensação de estar em vários intervalos entre uma coisa e outra e uma certa angústia que vem disso. “alguns intervalos conectam com mais singularidade e precisão o que chega e o que sai”. Várias reflexões por aqui.
Adorei também toda a conexão que você vem com a Sally, Twin Peaks, a análise e os intervalos ❤️