Neste jogo que eu amo, chamado Persona 4, o protagonista, em função da ausência temporária de seus pais, precisa passar um ano na casa de um tio, em uma cidade rural do Japão.
Inaba, local fictício baseado na cidade real de Fuefuki (província de Yamanashi) é vista por alguns de seus habitantes como entediante, vazia, o famoso “meio do nada”. Enquanto para outros a quietude e a escassez de opções é um motivo de contentamento, paz e relaxamento, certas nuances e outras características se tornam parte de uma trama mais complexa que coloca os personagens para considerar o envolvimento do ambiente em seus sonhos, objetivos e relacionamentos.
Ano passado, quando precisei voltar à minha Inaba depois de tantos anos, acho que não cogitei muito o impacto que seria sair de um lugar que, embora também não seja dos mais agitados, é tão mais acolhedor e me ofereceu perspectivas bem mais amplas do que as que eu tinha enquanto morava aqui. A possibilidade de voltar pra cá sem um tempo exato para ir embora era conscientemente inexistente, e talvez só agora, em que tenho novamente uma data para sair, tenha me dado conta da importância dos últimos meses neste lugar. Talvez eu tivesse medo de me estreitar. Pode ser que só consiga essa perspectiva agora porque sei que outro caminho se abriu.
Retorno, pra mim, envolve muito mais do que um espaço físico. Interiormente, embora eu não seja nem de longe a mesma que partiu um tempão atrás, torno a ocupar um espaço que continua a ser, e será pra sempre, um dos traços que me compõe. Em Inaba, passeio por ruas e lugares que, hoje também diferentes, realçam pra mim a singularidade do que apreendi na região, de bom e de ruim.
Lembro de atravessar a ponte de bicicleta, de uma parte que era cheia de árvores e marcava a proximidade com o lugar que eu morava. Passo perto da antiga casa de uma colega de escola e rememoro a decoração super extravagante da casa dela. Tomo café com amigas que eu não via há tanto tempo, em uma padaria antiga e super famosa que continua excelente, fico saudosa quando passo por onde era uma sorveteria que não existe mais, me alegro quando conheço novidades que funcionam bem, “desço” para o centro com a minha mãe e comentamos o deslocamento e a sensação de pertencimento, tão misturados aqui.
No Dicionário Amoroso da Psicanálise, Elisabeth Roudinesco, em um trecho sobre a Cidade, escreveu:
“(...) a angústia vai de par com a interrogação do sujeito sobre si mesmo. Explorar seu inconsciente é sempre desprender-se de alguma coisa, reservando-se o direito de conservar seu traço no inconsciente: de um território, de uma tribo, de uma família, e, logo, de uma soberania ligada à raça, à nação. É igualmente sonhar com uma cidade ou mesmo sonhar uma cidade.”
Não amo este lugar. Como no jogo, talvez eu seja da parcela que considera mais os pontos negativos, gostaria de algumas melhoras, preferiria não ter que entrar em contato com várias questões, mas no geral, desenvolvi um carinho que está para além da inexistência de apreço estético (:P) ou das minhas reclamações quanto aos limites de uma cidade relativamente pequena e tristemente descuidada, e devo o sentimento mais tranquilo à aposta que fiz de que aqui, além do meu lugar de origem, poderia ser também meu local de restabelecimento de vínculos e transição para uma nova empreitada, tal e qual a do querido protagonista. :’)
Seguindo com a temática, o livro Cidade e Alma, do James Hillman, é muito bonito e agradável de ler. Infelizmente não o encontrei de maneira oficial, mas quem quiser outra versão, é só me pedir que eu mando.
A Mariana Anconi é uma psicanalista que pesquisa e articula muito bem a temática cidade & sujeito. Ela também tem uma newsletter, a
.Sobre o Japão, uma amiga muito querida faz lives divertidíssimas passeando por lá de vez em quando! #Kafofers
Pra quem ficou curioso com a Inaba do jogo.
E um pouquinho com a minha, que coloquei neste Reels:
Até a próxima,
Carol.