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Para ler escutando Morning Passages - Philip Glass
Acordei assustada, como quem já estava quase se rendendo aos acontecimentos da outra cena. Olhei fixamente pra janela, estava com sede, tentando me situar, respirando fundo enquanto o peito ajustava doses de alívio e decepção. No sonho daquela noite, você queria me apresentar alguém que eu não queria conhecer e eu te ignorava. Você insistia, parecia contente, mas algo na sua naturalidade era devastador, me colocava imersa em uma dualidade que partia o coração ao meio como uma fruta e escancarava um (des)conhecido que eu também não queria olhar. Negação, diriam.
Ainda atravessada pelo conteúdo, coloquei os pés no chão, tão gelado que arrepiou. Pensei em como é divertido patinar no gelo. Levantei devagar, lavei o rosto tentando refrescar o olhar. Estranhei, quis meu café mais doce, quis que Lacuna, Inc. realmente existisse - e funcionasse.
Estava tão frio que me rendi ao convite acolhedor do sofá; alguma música tocava distante e se misturava ao som de crianças animadas, fazendo festa na quadra de uma escola próxima. Fechei os olhos rapidamente e, como se um projetor fosse ligado, comecei a me lembrar de uma caminhada por ruas movimentadas e bonitas, do vento, da leveza segura que eu sentia em me deixar guiar e ter a paisagem preenchida pelas histórias que você escolheu contar, quase magnéticas, que talvez por isso fizessem com que eu esbarrasse tantas vezes em você, como se eu precisasse de micro choques pra ter a certeza da sua presença ali, contrastando com os momentos em que a distância incomoda porque te sinto afastar em um ritmo descoordenado e peculiar em direção a criação de alguns vínculos que assustam, aparecem do nada e me deixam atordoada, como se abrisse aquelas caixas que tem um palhaço com mola dentro, mas ao invés do palhaço, me atinge um pedacinho de certa realidade. Sonhar é lembrar também?
Desperto novamente, espreguiço, o relógio me lembra que é hora de seguir, mas não sem escapar de fragmentos de outro filme. Me ajudavam com uma mudança. Uma pessoa agradável me oferecia muitas malas, dizia que eu ia precisar, e a gente ria do quão exagerado aquilo parecia, mesmo sabendo que no fundo fazia sentido, porque aquela mudança era subjetivamente maior do que o punhado de coisas concretas pra carregar. Transições.
Algo parece confuso frente a uma vontade de que o futuro seja como antes. Com sol, chuva e litros de suco. Vai ver o que de mais importante tenha para acontecer, aconteça entre o pensamento e o ato, entre alguns horários, entre uma conversa boa e infinita e as imagens. Entre o início de tudo e o lugar em que espero chegar - pra ficar -, o centro do laço.
O alarme enfim toca. Me tira de vez do cenário onírico. Bebo água. Bom dia.
Ler, assistir, ouvir
Me encontro novamente maravilhada com as palavras de Patti Smith, agora em Linha M, um livro em que ela escreve sobre encontros e acontecimentos especiais e bonitos que tantas vezes passam como simples banalidades cotidianas. Acho que relatos como o dela são um dom de quem realmente entendeu qual é a da vida e de como ela pode ser melhor vivida. Dá vontade de abraçar. (Talvez seja tema do próximo texto)
Também largo livros pela metade (ou antes), e talveeez isto aconteça com Milk Fed, que flerta tanto com a genialidade quanto com a bocózisse. Se alguém aqui já leu e quiser comentar, venha.
How to Build a Sex Room. Reality que claro, tem a ver com o nome, mas não só, porque ultrapassa a proposta de reforma/decoração de ambientes e deixa com o coração aquecido, de tão acolhedora e querida que a Melanie é - mesmo diante de algumas pessoas que claramente tem questões que uma roupa de cama bonita não deve resolver.
Para escutar, vamos com os pedidos estranhos e dançantes da Mitski, que em termos musicais foi uma das descobertas mais legais dos últimos meses (ela vem pro Brasil em novembro!).
Este é bão, frequento quase todos os dias, mesmo sabendo que jamais sairei satisfeita!😋
Terminamos por hoje!
Obrigada por ler até aqui e não deixe de compartilhar 💗