Primeiro texto do ano! \o/
A essa altura, todo mundo que vive em ritmo frenético já escutou ou tentou se convencer sobre a importância do presente, o fato de só termos o presente, que é preciso focar no presente, que a vida acontece no presente etc. Talvez até o ponto de transformar o presente que era pra ser um bálsamo contra a agitação em algo sufocante, de tanto que, em tese, só dá ele o tempo inteiro.
Contudo, se estamos o tempo todo voltando pra percepção de que é preciso estar no agora, isso significa que, em algum momento, algo vai de uma ponta a outra sem nenhum tipo de comando racional envolvido. É automático sair daqui, sobretudo quando aqui significa infinitas realidades diferentes. O presente não é um lugar de serenidade e refúgio pra todo mundo, e pensá-lo como o único tempo que existe, de vez em quando, gera o efeito oposto da calmaria. E por isso...
Sonhar, querer, projetar são movimentos que jogam o sujeito pra frente, num gesto esperançoso. Lembrar, arrepender, sentir saudade jogam pra trás. De forma consciente, ambos são importantes pro entendimento e refinamento da própria existência, afinal, é a partir da consulta e da construção de um repertório que é possível dar algum contorno, estabilidade e um pouco mais de sentido pra alguma coisa em meio aos absurdos da vida.
Só que, independente dessas viagens e seus frutos, ele, o imponente presente, não muda — ou, pelo menos, não as circunstâncias gerais do agora. Essa ideia ficou na minha cabeça desde que li “Antes que o café esfrie”, do Toshikazu Kawaguchi, um livro que eu não curti muito em termos de escrita, mas gostei bastante das ideias e sensações provocadas ao longo da narrativa.
Sem dar grandes spoilers, o livro fala sobre a possibilidade de uma viagem no tempo, mas o diferencial dessa história é que, ao retornar para um antes, isso não é posto como uma chance de fazer algo diferente que seja capaz de alterar o que acontece hoje. Ali, o que aconteceu, aconteceu e é irreversível, e fora essa, existem várias outras regras pra que a viagem aconteça, todas elas frisando as limitações do regresso, deixando a oportunidade só pra quem quer mesmo, e muito, arriscar.
Num primeiro momento, pode até parecer desnecessário voltar sob essas condições. Afinal, pra que rememorar algo que, diretamente, não vai trazer de volta o que se perdeu? Mas é aí que também mora a beleza. Retornar é mais sobre dar uma chance pra si mesmo, não de alterar ou recuperar o que já foi e trazê-lo pra cá, mas de se posicionar de outra forma diante de alguns episódios, de se acalentar com outro ponto de vista sobre uma mesma coisa pra que, subjetivamente, aquela memória tenha um espaço adequado pra ela, sem tantas pontas soltas que machucam, já que isso sim é possível mudar.
Fiquei pensando também nas sessões de análise, de como ali temos um pouco desse transporte temporal. A gente narra o que já foi muito com esse intuito de reencontro, de poder dizer em voz alta o que antes não saiu, de observar com outros olhos aquele quebra cabeça, ou até de poder enfim silenciar e simplesmente aceitar a irreversibilidade de fatos específicos. Quando fazemos algum movimento assim, vem junto uma reorganização que possibilita ao presente um pouco menos de ruído e um pouco mais de, tcharam, presença.
Talvez esteja aí a chave para aproveitar melhor esse espaço de reencontro: compreender que visitar o passado não altera o presente, mas é uma chance de torná-lo menos povoado pelo que poderia ter sido, e não foi.
Tem algo a dizer sobre isso? Quer fazer sua própria viagem, antes que o café esfrie? Vem cá!
Mais, ainda
"Se abríssemos as pessoas, encontraríamos paisagens"
Um obrigada a todo mundo que chegou, os que generosamente ficam e os que partiram também. Se você gosta do que vê aqui, pode demonstrar seu carinho curtindo, comentando e compartilhando pro Substack entender que mais gente pode sentir o mesmo ;)
Até a próxima! 🌸
Ahhh, incrível como nossos textos sincronizaram, não é? ❤️ Mágico!
Muito bom, Carol! A história do livro me lembrou uma série que eu amei, chamada Being Érica. Basicamente uma mulher na casa dos 30, frustrada e, de repente, conhece um terapeuta que consegue a transportar pro passado. Apesar dela não conseguir mudar as coisas, ela volta com uma compreensão diferente das coisas que viveu.