Penso que entristecer pessoas queridas talvez aconteça de tantos jeitos quanto é possível imaginar, principalmente se considerarmos que além das maneiras mais óbvias e voluntárias de fazer isso acontecer, acham-se várias outras, subjetivas, particulares, que marcam os corações.
-
No maravilhoso La La Land, uma dessas possibilidades é colocada muito bem na cena em que a Mia vai ao primeiro show do Sebastian após ele entrar para o novo grupo. O jeito como ela olha pra ele naquele cenário pop, um pouco atordoada, tentando ficar contente ao mesmo tempo em que não o reconhece na persona mainstream, sublinha bem uma aflição que não é provocada intencionalmente, mas pela sensação de estar à deriva, de encontrar uma parte até então desconhecida e aparentemente incoerente do outro.
Mais tarde, em uma discussão sobre o trabalho dele na banda, sonhos e futuro, acontece o seguinte diálogo:
— Por que não abre seu clube?
— Você mesma disse que ninguém quer ir. Ninguém quer ir a um clube chamado ‘Frango no Espeto’.
— Mude o nome!
— Ninguém gosta de jazz! Nem você!
— Agora eu gosto, por sua causa!
— Achei que queria que eu fizesse isso! O que eu deveria fazer? Voltar a tocar ‘Jingle Bells’?
— Não estou dizendo isso! Pegue o que ganhou e abra seu clube!
— Ao qual ninguém quer ir?
— As pessoas irão porque você é apaixonado por isso e as pessoas amam o que outras fazem com paixão! Reaviva a memória das pessoas.
— Não é assim. Bom, não importa. Está na hora de crescer. Tenho um emprego e é o que eu vou fazer. Se tinha esses problemas, eu queria que você tivesse dito antes de eu assinar na linha pontilhada!
— Só estou ressaltando que você perseguia um sonho…
— Este é o sonho! Este é o sonho.
— Não é seu sonho!
— Caras como eu trabalham a vida toda para estar em algo de sucesso, que agrade às pessoas, sabe? Quero dizer, finalmente estou em algo do qual as pessoas gostam.
— Desde quando liga pra isso?
— Dane-se se não gosto.
— Por que quer tanto que gostem de você?
— Você é atriz! O que está dizendo?!
-
Falta é uma palavra que surge na composição de muitas justificativas. Falta de tempo, de disposição, de coragem etc. É ela que se mostra quando o que poderia ou deveria ser se ausenta, mas paradoxalmente não sem dar lugar a outras coisas. Se presentifica como agendas que não batem, comunicação falha, isolamento, omissões, adoecimentos. Dá as caras no discurso cansado, na estagnação, na negligência cotidiana, no distanciamento que acontece lento. Permitir que a falta se torne um não dizer ou um não fazer repetitivos é uma das formas mais certeiras de magoar quem amamos.
-
Após assistir ao querido e aclamado episódio Garfos, de The Bear, uma fala da Tiff pro Richard ficou comigo por bastante tempo:
“Prefiro que você saiba por mim”
Cuidadosa com ele, antes de dar uma notícia feliz e triste, ela tenta afastar a possibilidade de que aquilo soe pior do que pode parecer e se aproxima com honestidade antes que alguém o faça ou que o próprio Richard descubra, sem o contexto adequado, o que está acontecendo.
Diante da ficção é mais fácil apoiar atitudes como a dela, mas conjuntamente, sabemos que de vez em quando o efeito apaziguador de ver alguém fazendo o “certo” é o suficiente e não se transforma em atitudes próprias magicamente.
Engolidos pelas tarefas do dia-a-dia e pelos temor diante das complexidades, é tentador, leve e descontraído deixar que o que for possível aconteça naturalmente, respeitando fases e um suposto ciclo. Inclusive, andam dizendo por aí que essas são as relações de baixa manutenção. Me pergunto quais são as chances de que uma boa intenção vire o seu oposto.
-
Não perguntar, não se interessar, não cuidar, não demonstrar, não se dispor. Considerar o estar com como uma forma de distração, e não de atenção.
-
Ainda em The Bear, no último episódio da segunda temporada, quando a Claire escuta sem querer o monólogo do Carmy e mais uma vez, algo não proposital resulta em decepção. Embora ela estivesse diluída no discurso dele, ele não falava diretamente sobre ou para ela. O contexto era bem mais amplo, mas o fragmento que a atingiu serviu ao corte. Carmy é uma pessoa complicada, indisponível, abalada e orgulhosa. Claire é quase o contrário. Por mais que ele desloque grande parte das questões pessoais para a obsessão e o perfeccionismo com o trabalho, o que ele não expressa nitidamente não deixa de aparecer e de atingir quem está ao redor. Ela é um pouco mais simples do que isso. Os afastamentos acontecem através do cansaço.
-
You look like you need to tell me something
(…)
ou talvez eu apenas respondesse (com as velhas palavras disponíveis):
uma língua não é algo
que se construa
está mais próxima do mar
do que de um barco
é como edificar uma cidade
por mais que se planeje
sempre haverá
raízes de árvores que crescem
quebrando a calçada
(…)
Ana Martins Marques - Risque esta Palavra
Uma vez você saiu do banho cantando uma música que eu amo muito e até hoje eu não consigo escutá-la sem lembrar dessa cena. Não foi sua intenção criar essa marca pra depois, é claro, mas me chateia ainda não ser tão livre assim.
Oi, gente!
Tenho estado cada vez mais animada com o ambiente substack. É uma alegria imensa receber as notificações de novos leitores e das interações tão bacanas por aqui. Tem novidade em breve, mas por enquanto:
Se você gosta do que vê aqui, pode demonstrar seu carinho curtindo, comentando e compartilhando.