Quando diante de determinados eventos, do macro e do micro, o vocabulário falha, uma inquietação surge no lugar da fala. Aqui estive assim. Nas últimas semanas, não alcançava nada além de umas frases soltas no bloco de notas do celular, tentativas de oração, rascunhos de mensagens importantes e ainda não enviadas.
Momentos em que não consigo ordenar palavras que importam pra mim, em sequência, são aflitivos. A redação de alguma forma me equilibra, é um dos jeitos mais eficientes de organização e liberação que conheço, e desde pequena tento manter o hábito. Acho que minhas doações acontecem principalmente na escuta e na escrita. Quando não consigo estruturar alguns destinatários, isso confunde o pensamento e gera uma grande bagunça com muitos papéis misturados.
Bem longe de ser um caso particular, a tragédia no RS me fez, entre outras coisas, um grande silêncio. Fiquei muda diante de tantos desabafos, pedidos, opiniões, alertas e infelizmente muita, mas muita imbecilidade. Vi coisas na internet esses dias que me colocaram tão indignada e desesperançosa que por uns instantes me percebi amiga do fim, e aqui agradeço aos que ainda raciocinam e se movem em direções mais interessantes pela #força contrária.
Junta-se isso a um momento de sensibilidade exacerbada inclusive por questões pessoais, e como resultado, uma angústia das mais honestas que já vivi, com direito a toda variedade de pensamentos e sentimentos que só o afeto que não engana pode proporcionar. Quando ela aparece, a sensação é de que abre gavetas e caixas deixadas de lado e começa a arremessar os conteúdos pra fora de uma vez só. Arrebatada pelo limite da minha própria linguagem diante do excesso, era quase impossível nomear e consequentemente agir. Não dá pra fazer nada com o que nem se sabe exatamente o que é.
Me sentia incapaz de alcançar e puxar a ponta de um novelo que de cara parecia enorme. Foi quando entendi que, como tudo, aquilo também era momentâneo e eu só precisava redirecionar e deixar teimosias um pouco afastadas.
Por uns dias, acabei falando menos com pessoas mais próximas, reduzindo parte da comunicação, ou o que era acessível nesse sentido, basicamente ao trabalho. Desativei meu instagram principal e liguei o kindle muitas vezes mais, buscando fôlego no texto de outras pessoas. Caminhei e sem querer querendo bati todas as minhas metas de movimento, constatei que a locomoção do corpo ajuda a deslocar ideias travadas.
Tudo isso, de algum modo, me fez recordar outras circunstâncias em que, por bem ou por mal, não sabia onde e nem como encontrar palavras que pudessem atribuir qualquer sentido ao que eu passava e gostaria de expressar. Mentalmente, fui até criando um inventário da mudez, composto por finais de filmes, livros, séries, jogos. De inícios, encontros, paisagens, conversas, experiências novas. E também de hiatos, interrupções de locuções que foram perdendo a coerência, pediam outro tempo de formulação.
É engraçada a construção da memória, a ordem dos eventos, a mistura de referências. Passeio por lembranças que começam por volta dos 12, 13 anos e chego até aqui. Consigo enxergar facilmente alguns instantes de congelamento, de quando deu branco, todos envolvendo afetos maiores do que uma expressão verbal poderia conter; só o corpo pra dar conta de endereçar ou guardar. Noto o quanto o silêncio também é parte crucial de uma narrativa, de um bom trabalho de elaboração.
Tenho me aventurado pelo estudo do japonês e sinto conforto na ideia de novamente estar expandindo meu próprio universo e vocabulário. Aprender outras formas de construir uma sentença, de me manifestar, conseguir escutar sentido em outros símbolos, fazendo menos solitário ou desconfortável o momento de tempo tão variável entre a assimilação e a enunciação. Concluo que pra escrever como gosto, também preciso não escrever nada de vez em quando.
Mais, ainda
Estou apaixonada por:
おもいで の よう な いす に こしかけ あいいろ の そら を ゆび で きりとった
みずべ に ゆれてる しずか な はな が ゆめ みる よう に さいたなら
A Boa o Suficiente é minha tentativa de manter a chama blogueira dos anos 00 acesa, fazer jus ao prêmio que ganhei na 4ª série por uma redação, os semestres de jornalismo e, quem sabe, causar algum efeito positivo nas pessoas que se dispõe a ler o que compartilho nos textos.
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Me identifiquei com o seu texto... Também escrevi bem menos essas semanas por não saber o que falar ou expressar direito. E se for pra falar a mesma coisa que outras pessoas estão falando - com mais conhecimento e embasamento do que eu - prefiro me calar. Só publiquei o texto da semana passada, porque sou um maníaco quando o assunto se trata de escrita, então tenho bastante coisa guardada... Mas também estou tentando recuperar as palavras de volta e quem sabe, ir retomando a minha rotina de escrita aos pouquinhos...
Ganhou um assinante na News 💛
Eu tenho uma tendência ao embotamento, quando fico muito nervosa eu me calo, parece que entro pra dentro de mim mesma. É estranho mas de algum jeito também me acalma. Amei o texto!